Doações despencam em 2021 e fome cresce nas comunidades

Após mais de um ano desde o início da pandemia do novo coronavírus, os efeitos socioeconômicos prolongados da tragédia têm zerados os estoques de comida de doações às associações comunitárias e ONGs, que veem de mãos atadas a fome e a miséria crescerem nas comunidades em que trabalham.

Segundo relatos dos líderes, a situação começou a se escalar a partir de 2021, ano em que a pandemia chegou ao seu pior momento, levando à volta de medidas radicais de isolamento social e fechamento de comércios. O Brasil passa atualmente pelo momento mais sensível da doença, que já mata mais de 3 mil pessos por dia.

Com o prolongamento da crise sanitária, presidentes das instituições de caridade viram as doações caírem em até 95% em comparação com o início da quarentena, em março de 2020.

“Nós distribuíamos cerca de 10.000 marmitas por dia. Passou de 500 a 600 por dia por falta de doação. A gente chegava a distribuir 5.000 cestas básicas por mês, hoje são cerca de 100 a 200 por mês”, relata Gilson Rodrigues, presidente da associação G10 Favelas, que reúne mais de 181 comunidades no Brasil.

A demanda por comida, no entanto, só cresceu desde o início da pandemia, enquanto os preços dos alimentos cresceram em mais de 15%, junto ao aumento dos preços do gás de cozinha.

“Já teve família aqui que veio porque não tinha arroz para dar para as crianças. Procuram a gente diariamente e cortam nosso coração, porque a gente não tem nada para dar”, diz Janaina da Silva Santos, presidente da Associação Aqualiprof, que atende a comunidade carente do bairro Vila Jacuí na zona leste da capital.

No ano passado, conta Janaina, a associação atendia sem falta de estoque cerca de 5.000 famílias da região. A situação a atinge também outras instituições parceiras. “Às vezes até associações vem pedir cestas básicas para gente, achando que nós temos”, lamenta.

Efeito cascata

Aqualiprof manteve assistência sem problemas durante os primeiros meses da pandemia

Aqualiprof manteve assistência sem problemas durante os primeiros meses da pandemia

DIVULGAÇÃO/ ASSOCIAÇÃO AQUALIPROF

Se soma à crise sanitária e econômica a falta do auxílio emergencial, que garantiu um respiro a cerca de 68 milhões de brasileiros de abril a dezembro do ano passado. Já são mais de três meses que as famílias carentes e formadas por trabalhadores autônomos sobrevivem sem o pagamento do benefício.

Enquanto isso, as instituições de caridade percebem o agravamento da crise mês a mês entre seus conhecidos. 

“Os parceiros que doavam tinham alguma reserva, algum cartão para garantir a doação. Depois de um ano vivendo nessa condição, a crise econômica impactou essa reserva. A gente vê famílias que eram doadoras da ONG e passaram a ser beneficiários agora”, diz Luma Rodrigues, presidente do Instituto Cristiane Camargo, que atende a área do bairro São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo.

A volta do auxílio está prevista para abril, com valores e cobertura menor. O benefício de 2021 será limitado a uma pessoa por família, sendo que mulher chefe de família terá direito a R$ 375 mensais, enquanto o indivíduo que mora sozinho – família unipessoal – receberá R$ 150. O valor de R$ 250 vai para famílias com dois ou mais integrantes.

A catadora Aline Oliveira da Silva, que dependeu do benefício para sustentar sua filha no ano passado, acha que o novo valor dará o mínimo para sobreviver. “Não é muito para garantir uma alimentação, porque as coisas aumentaram muito de preço, mas dá para ajudar. Dá para comprar um arroz, um feijão, alguma coisa”, disse. 

No Brasil, mais de 10 milhões de pessoas vivem em insegurança alimentar extrema, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo relatório da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), pelo menos 20 milhões de pessoas no país deixaram de se alimentar bem durante a pandemia, por falta de dinheiro.

As novas restrições, com toques de recolher e lockdowns para conter a situação dramática da pandemia, ainda obrigam muitos autônomos a ficarem em casa, gerando mais pobreza. A ex-diarista Daniela Freitas, que vive na comunidade Anita Garibaldi, em Guarulhos, não consegue mais sair para vender balas por causa da situação.

“Eu estava até conseguindo me virar, até o comércio começar a fechar. Só agora que eu estou passando aperto, os comércios fecharam lá no centro, aí começou a piorar. Esse mês [março] tá sendo o pior para mim”, diz Daniela, que sustenta sozinha cinco filhos.

As pessoas pararam de ajudar, porque a fome parece estar distante quando na verdade está do lado. De casa, do nosso home office, nós estamos nos distanciando da realidade do Brasil

GILSON RODRIGUES, PRESIDENTE DO G10 FAVELAS

R7