Brasil destinou 33,3 milhões de toneladas de lixo de forma inadequada em 2022

O Brasil destinou de forma incorreta 33,3 milhões de toneladas de lixo em 2022. Os dados são da Abrema (Associação Brasileira de Resíduo e Meio Ambiente) e apontam para uma média de 380 kg de resíduos sólidos produzidos naquele ano por cada habitante do país. Ao todo, em 2022 foram gerados 77,1 milhões de toneladas de lixo. As informações constam no Panorama dos Resíduos Sólidos 2023 publicado pela Abrema.

Parte dessa destinação incorreta (27,9 milhões de toneladas) foi enviada para os lixões do país. O restante (cerca de 5,3 milhões), sequer foi coletado.

O Brasil tem cerca de três mil lixões em funcionamento, segundo a Abrema, e todos eles precisam ser extintos até agosto deste ano, seguindo a determinação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010.

No entanto, a menos de um mês do prazo final, dificilmente a meta será cumprida, e o prazo para a conclusão da medida pode ser postergado. Esse não seria o primeiro adiamento, visto que a eliminação total dos lixões deveria acontecer em 2014.

O Painel de Indicadores do Ministério das Cidades, revela que apenas 2,37% do lixo produzido no país conseguem ser recuperados ou reciclados de forma adequada. Para o professor de gestão ambiental da UnB (Universidade de Brasília) Gustavo Souto Maior, a Lei Nacional de Resíduos Sólidos foi um avanço na legislação ambiental, mas ao longo da última década faltou coordenação para que as metas fossem cumpridas.

“Ela (Política Nacional de Resíduos Sólidos) introduziu uma série de conceitos novos, como a logística reversa. A questão é que, no Brasil, temos a prática de formular leis sem antes verificar se existem condições reais para que elas sejam cumpridas. Falta apoio aos municípios para que os lixões sejam eliminados. Hoje, o lixão no Brasil é o principal instrumento de gestão de lixo na maioria esmagadora dos municípios”, afirma.

O especialista alerta que os lixões produzem chorume, material altamente poluente. “O chorume do lixo é cem vezes mais poluente que o esgoto doméstico e tem a capacidade de contaminar o solo e os lençóis freáticos. O lixão não tem nenhum tipo de cuidado para que isso não contamine o meio ambiente. E, além disso, atraem animais que se contaminam com esses materiais e levam essa contaminação para outros bichos”, frisa.

Plano pelo fim dos lixões
O Ministério do Meio Ambiente, questionado sobre o tema, disse que coordena a elaboração de um pacto pelo fim humanizado dos lixões, “que promova inserção produtiva dos catadores e catadoras de materiais reutilizáveis e recicláveis”.

“O ministério também consulta os estados para levantar a situação atual dos locais de disposição final de rejeitos, já que os dados mais atualizados são referentes ao ano de 2022, segundo o SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento Básico)”, informa a pasta.

No entanto, na avaliação do presidente da Abrema, Pedro Maranhão, o Brasil está longe de ter um manejo ambientalmente adequado dos resíduos sólidos.

Há mais de 3 mil lixões a céu aberto espalhados em todos os estados brasileiros. Em 2022, mais de 33 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos tiveram destinação inadequada, o que representa quase 40% de todo o lixo gerado no país. Isso significa que o equivalente a 11.362 piscinas olímpicas de lixo compactado ou 233 estádios do Maracanã lotados de lixo foram despejados em lixões a céu aberto, valas, terrenos baldios e córregos urbanos, ameaçando a saúde pública e o meio ambiente.
(PEDRO MARANHÃO, PRESIDENTE DA ABREMA)

Maranhão explica que o melhor destino para os resíduos é o aterro sanitário, que é uma “complexa obra de engenharia cuidadosamente planejada para minimizar ao máximo o impacto ambiental que o lixo descartado pode causar, além de gerar insumo para produção de biocombustíveis e geração limpa de eletricidade”.

“Os aterros utilizam tecnologia para garantir a impermeabilização absoluta do solo, impedindo a circulação subterrânea do chorume, e dutos de captação do metano, gás originado da decomposição dos resíduos orgânicos. A operação é licenciada e fiscalizada por órgãos ambientais de controle. Os aterros sanitários proporcionam um duplo ganho, pois retiram um passivo danoso para o meio ambiente e para saúde humana e o transformam em um ativo ambiental valioso, como, por exemplo, o biometano, gás renovável que contribui para a descarbonização da economia”, explica.

Ausência de tarifa
O presidente da Abrema cita que, apesar de a legislação estipular cobrança de uma tarifa específica dos geradores de resíduos para cobrir o custeio dos serviços de manejo nos municípios, a medida não é seguida pelos gestores locais pelo receio de rejeição por parte da sociedade.

No entanto, há ainda forte resistência dos administradores municipais em implementar tais cobranças por ser uma medida impopular quando mal explicada. Alguns municípios, mesmo com aterros sanitários acessíveis e com capacidade operacional para tratamento de todos os resíduos produzidos pela população local, continuam utilizando lixões
(PEDRO MARANHÃO, PRESIDENTE DA ABREMA)

Segundo ele, outro ponto a se destacar é o aspecto cultural. “A maioria das pessoas não tem consciência da complexidade da rede de tratamento envolvida a partir do momento em que o saco de lixo é recolhido da porta de nossas casas. O problema do lixo não se resolve quando o caminhão de lixo passa, mas muitos administradores públicos se aproveitam dessa percepção errônea da população para não investir em soluções adequadas após recolhimento”, acrescenta Maranhão.

Redução de lixo gerado
A professora Luana Viana, da Universidade Federal do Ceará e doutora em desenvolvimento e meio ambiente, alerta que não basta apenas destinar corretamente o lixo, mas também reduzir o volume de resíduos produzidos.

A própria Política Nacional de Resíduos Sólidos nos traz como prioridade número um não gerar tantos resíduos. Para isso, precisamos repensar o modelo da sociedade, em que a qualidade de vida é medida pelo poder aquisitivo. Mesmo que seja preciso reconhecer que precisamos consumir e, consequentemente, gerar resíduos, uma das formas de enterrar cada vez menos rejeito (aquilo que não tem outra forma de destinação final que não seja o aterro) é impor ao setor produtivo a obrigação de não gerar produtos que vão virar rejeito. Ou seja, produzir já pensando na destinação final do produto e dos resíduos sólidos gerados na fábrica. Hoje, o poder público tem que arcar com esses rejeitos que provêm da iniciativa privada
(PROFESSORA DA UFC E DOUTORA EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE, LUANA VIANA)

Na avaliação da especialista, um caminho para reduzir a produção de resíduos é a criação de produtos que sejam retornáveis e reutilizáveis, um mecanismo até mesmo mais positivo que a própria reciclagem.

“A reciclagem não é infinita como muitos pensam, por isso, não pode ser tratada como a primeira solução. Se não direcionados adequadamente, esses recicláveis, em sua maioria plástico, podem machucar e até matar seres vivos, como os animais aquáticos constantemente fotografados com materiais plásticos presos e dentro de seu corpo”, alerta.

Viana também destaca que é importante evitar aqueles itens que não podem ser reciclados. “Abrir mão de produtos não recicláveis, sempre que possível, é uma opção. Assim, vamos estimulando as indústrias a criarem produtos cada vez mais recicláveis. Para isso, precisamos que a educação ambiental chegue a todos, de forma contínua e efetiva. Uma sociedade informada e sensibilizada produz muito mais resultados positivos”, diz Viana.

Ela também cita os resíduos orgânicos, que podem ser usados em compostagens.

Mais de 50% dos resíduos orgânicos poderia estar retornando ao meio, fertilizando os solos e não gerando poluição por sua degradação, que é o que acontece quando ele é misturado aos demais resíduos e jogado em locais impróprios. A degradação da matéria orgânica gera o chamado chorume, com alto teor de matéria orgânica que pode contaminar o solo e corpos d’água. O chorume, em contato com materiais perigosos, como pilhas e baterias, também pode transportar metais pesados e outros contaminantes
(PROFESSORA DA UFC E DOUTORA EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE, LUANA VIANA)

R7