Uso excessivo de bombinha pode aumentar risco de crise de asma, sugere estudo

Um estudo publicado recentemente mostrou que o uso excessivo e inadequado de um tipo de bombinha para asma pode aumentar o risco de reações graves da doença, trazendo prejuízos à saúde. A conclusão foi feita após a análise de dados coletados nas regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, em serviços públicos e privados.

A pesquisa faz parte de um estudo global chamado SABINA (“SABA use IN Asthma“, que significa “Uso de SABA na asma”, em tradução literal do inglês), patrocinado pela biofarmacêutica AstraZeneca. O recorte com dados isolados do Brasil foi publicado no Jornal Brasileiro de Pneumologia no início deste ano.

Esse é o primeiro estudo a analisar as práticas de prescrição de SABA (beta2 agonista de curta duração), um tipo de bombinha composta por broncodilatador inalatório de curta duração indicada para o alívio rápido dos sintomas da asma. O medicamento atua dilatando os brônquios, permitindo a passagem de ar durante episódios de crise.

Esse tipo de bombinha não deve ser indicado para o tratamento da doença à longo prazo. No entanto, o estudo mostrou que existe uma prescrição excessiva desse tipo de tratamento no Brasil e que isso pode estar relacionado à piora do quadro de asma em pacientes, levando à necessidade do uso de corticosteroides orais — que podem causar efeitos colaterais e riscos à saúde à longo prazo.

A asma é uma das doenças respiratórias mais comuns no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde. Suas principais características são a dificuldade de respirar, chiado e aperto no peito e respiração curta e rápida. Fatores ambientais e genéticos podem estar relacionados ao desenvolvimento e agravamento da doença, como exposição à poeira, ácaros e fungos, variações climáticas, infecções virais, histórico familiar e obesidade.

Como o estudo foi feito?
Para chegar à conclusão, os pesquisadores analisaram 218 pacientes asmáticos, que responderam a perguntas sobre o uso de bombinha no tratamento da doença. Do total de participantes, 80,3% receberam prescrição de SABA além da terapia de manutenção, com uma média de uso de 11,2 fracos do medicamento nos 12 meses anteriores à pesquisa. Destes, 71,4% receberam prescrição igual ou maior a 3 frascos e 42,2%, maior ou igual a 10 frascos.

O estudo também mostrou que 49,1% dos pacientes em tratamento com esse tipo de bombinha apresentaram uma ou mais exacerbações graves da doença, aumentando a inflamação causada pela asma.

Esses achados corroboram com evidências anteriores que mostram que o uso excessivo de SABA pode aumentar o risco de manifestações graves da doença.

“Os resultados desse estudo são preocupantes e revelam um padrão de prescrição de SABAs que foge às recomendações estabelecidas pela literatura médica. O uso excessivo desses medicamentos pode levar a uma falta de percepção da gravidade da doença e, o que é ainda mais alarmante, à necessidade de tratamentos mais agressivos com corticosteroides orais”, afirma Marcelo Rabahi, professor de pneumologia da Faculdade de Medicina da UFG (Universidade Federal de Goiás) e um dos pesquisadores do estudo.

Risco está relacionado ao uso inadequado da bombinha com broncodilatador
Rabahi enfatiza que a piora do quadro de asma está relacionado apenas ao uso indevido e excessivo da bombinha do tipo SABA.

“Nós não queremos que as pessoas parem de usar esse tipo de bombinha, porque, para algumas situações, seu uso é realmente necessário”, afirma Rabahi à CNN. “A questão problemática é o uso inadequado enquanto forma de tratamento da asma. Essas bombinhas compostas apenas de broncodilatadores não servem para tratar a doença, mas, sim, para aliviar os sintomas apenas em momentos de crise”, completa.

As bombinhas são medicamentos de uso inalatório cujos componentes são disponibilizados via aerossol (spray) ou sob a forma de “inaladores de pó seco” (DPIs) e existe uma grande variedade desses medicamentos. O tipo SABA, que é composto apenas broncodilatador de curta duração, é indicado para o alívio rápido das crises e não atua no tratamento da causa da doença, que é a inflamação dos brônquios.

O tratamento à longo prazo deve ser feito com o uso de bombinhas com corticoides inalatórios, que podem, ou não, estar associados aos broncodilatadores de longa duração.

“É essencial que os profissionais de saúde estejam atentos a essas questões e sigam as diretrizes clínicas recomendadas para o tratamento da asma”, ressalta.

O que pode estar relacionado à super prescrição das bombinhas com broncodilatador de curta duração?
Um dos destaques do estudo foi a prescrição excessiva das bombinhas com broncodilatador de curta duração apesar da sua contraindicação para o tratamento da asma à longo prazo. Na visão de Gustavo Prado, pneumologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que não esteve envolvido no estudo, isso pode ser explicado por haver “uma certa latência na incorporação de conhecimentos mais atuais sobre a asma entre médicos atuantes na atenção primeira em saúde”.

Além disso, ele explica que a automedicação com bombinhas com broncodilatador de curta duração também pode estar associada à dificuldade de acesso às medicações de controle que, geralmente, são de alto custo, ou à falta de acesso do paciente aos serviços de saúde para uma avaliação mais adequada.

“Por vezes, dada a complexidade das interações entre determinantes socioeconômicos e de saúde, sobretudo em parcelas mais vulneráveis da população, esses fatores podem se sobrepor. Mas é importante lembrar: o Ministério da Saúde fornece todos os medicamentos de forma gratuita”, ressalta.

Qual seria a solução, então?
Desde 2019, o Comitê Diretivo da Iniciativa Global pela Asma (GINA) recomenda o uso do broncodilatador associado a corticoide inalatório. Em 2020, a SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia) também recomendou, por questões de segurança, que não se usasse a monoterapia com SABA para o tratamento da asma.

Essa decisão baseou-se no acúmulo de evidências que a monoterapia com SABA aumenta o risco de crises de asma. Por sua vez, o uso combinado a corticoides inalatórios pode reduzir esse risco.

“Acredito que não devemos nos perguntar sobre quais são as alternativas para os pacientes, mas como eles podem ter acesso aos melhores tratamentos”, afirma Prado. “Também defendo que programas de atualização e reciclagem (educação continuada) dirigidos aos médicos generalistas podem efetivamente reduzir esta lacuna entre o tratamento recomendado por diretrizes, que é mais seguro e eficaz, e o prescrito de forma incompleta ou inapropriada”, completa.

CNN Brasil