SEC pressiona professores da rede estadual com aviso de registro de ausências
As ausências dos professores da rede estadual de ensino serão registradas durante os dias em que a paralisação durar no estado, conforme ofício da Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC-BA), emitido na última quarta-feira (16). A categoria alega pressão por parte do governo, que ignora o pagamento dos juros e mora dos precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério (Fundef). Em vídeo, a secretária da pasta, Adélia Pinheiro, convocou todos os professores para voltarem às salas de aulas. “Não é justificável a interrupção das aulas com base no pagamento dos precatórios do Fundef”, disse Pinheiro em trecho da gravação enviada ao CORREIO.
O professor e sindicalista Marco Aurélio Farias, do município de Santa Maria da Vitória, no oeste baiano, enxergou o envio do ofício como uma forma de pressionar os profissionais que decretaram paralisação até o dia da votação do Projeto de Lei dos Precatórios, prevista para a próxima terça-feira (22). “Esse ofício é um instrumento de coação contra a categoria, contra o direito de manifestação e de greve dos trabalhadores de educação”, disse Farias, ressaltando que a paralisação foi estabelecida pela entidade sindical, legítima representante dos profissionais da educação.
De acordo com o ofício da SEC, as unidades escolares devem manter o funcionamento e o horário de aulas previstos. “As ausências de professores e funcionários serão diariamente registradas e informadas”, diz trecho do comunicado.
Ofício assinado pela secretária Adélia Pinheiro . Crédito: Reprodução
A professora aposentada Zenaide Ribeiro, 66 anos, que trabalhou na rede estadual de ensino por 36 anos, inclusa, portanto, no grupo de profissionais aptos a receber os precatórios, definiu o comportamento da SEC como “ditatorial”. “Os professores estão apenas reivindicando os seus direitos. Nós temos informações que esse dinheiro está disponível desde o dia 30 de maio e, até hoje, esse PL não foi votado. Então, a arma que o professor tem é essa [paralisar].”
Nesta quinta-feira (17), 600 professores realizaram um ato na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), com faixas e cartazes, exigindo o pagamento dos juros dos precatórios do Fundef. Na ocasião, os profissionais entregaram um documento com a proposta de sugestão de emenda ao PL dos Precatórios diretamente nos gabinetes dos líderes do governo e oposição, Rosemberg Pinto (PT) e Alan Sanches (União Brasil), respectivamente.
Na última quarta-feira (16), quando os professores anunciaram a paralisação, o deputado estadual Pablo Roberto (PSDB) apresentou uma emenda ao PL dos Precatórios que prevê a inclusão dos juros no pagamento. “É um verdadeiro absurdo, mais uma demonstração muito clara da forma como o governo trata os profissionais de área da educação”, disse o parlamentar ao CORREIO.
O deputado Alan Sanches, líder da oposição, também avaliou de forma negativa a proposta do governo estadual. “Esse recurso é legitimamente dos professores. É assim que a bancada da minoria entende e vai até o final em busca desse ajuste”, pontuou. A reportagem também entrou em contato com alguns parlamentares da base do governo, mas só obteve respostas do deputado estadual Eduardo Salles (Progressistas). De acordo com o parlamentar, “ainda não houve uma reunião do grupo sobre esse assunto”.
Em nota, o Governo da Bahia informou que o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) não obriga o estado a repassar os juros moratórios recebidos em precatório do Fundef aos profissionais do magistério. “Juros moratórios significam penalidade imposta por um atraso e, no caso, a União Federal deu causa ao atraso no repasse das verbas, tendo forçado o Estado da Bahia a usar recursos próprios. Os juros não se confundem com as receitas federais que eram vinculadas e que hoje formam o precatório FUNDEF”, aponta o texto.
“Por isso, o STF, no julgamento da ADPF nº 528-DF, concluiu expressamente que os juros moratórios possuem natureza indenizatória tendo destinação autônoma e desvinculada da aplicação na área da Educação, não cabendo, portanto, a sua inclusão na base de cálculo da parcela a ser destinada aos profissionais do Magistério da Educação Básica que se encontravam em atividade no período de 1998 a dezembro de 2006. Inexiste, assim, qualquer obrigação para que o Estado da Bahia repasse aos professores os juros moratórios recebidos”, afirma a nota.
Já em relação às verbas oriundas da complementação do Fundef, o Governo afirma que a Lei estadual destinou (nº 14.485 de 2022), destinou o rateio de 80% dos recursos, percentual superior ao mínimo legal obrigatoriamente estabelecido de 60% aos profissionais do Magistério da Educação Básica.
“Além disso, o PL 25028/2023, encaminhado à ALBA, além do abono devido aos profissionais do Magistério em atividade no período de janeiro de 1998 a dezembro de 2006, contempla, também, os atuais profissionais do quadro do Magistério da Educação Básica, ativos e inativos com o pagamento de abono extraordinário, o que revela a recorrente busca do Estado da Bahia da valorização do seu magistério sem descuidar da observância das diretrizes do STF e das normas legais”, conclui a nota.
Bahia não cumpre piso salarial
Para a presidente da Associação Classista da Educação e Esporte da Bahia (ACEB), Marinalva Nunes, a criação do abono extraordinário, é uma prova “inconteste” que o estado não cumpre a Lei do Piso (n° 11.738), sancionada em 2008, que que instituiu o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Com o ajuste de 2023, o valor atual do piso é de R$ 4.420,55. “Agora o governo quer fazer uma compensação, retirando deste rateio”, pontuou Marinalva.
O texto enviado à Alba pelo governo estadual prevê que 20% dos recursos deste ano – equivalente a, aproximadamente, R$ 277,4 milhões, sejam destinados a todos os 82.907 professores e coordenadores pedagógicos da Bahia, “independente destes trabalhadores terem atuado ou não durante o período de erro no repasse das verbas do Fundef”.
De acordo com o professor Marco Aurélio Farias, uma parcela dos educadores do estado não recebem o piso nacional do magistério em razão de uma cisão do plano de cargos e salários do magistério público do estado. A professora Leila Cardoso, uma das responsáveis pelo movimento ‘Piso pros Excluídos’, não recebe o valor instituído por lei federal e apontou o PL dos Precatórios como instrumento potencial de divisão da categoria.
“Isso só nos divide ainda mais. As vezes, já estamos divididos com pautas diferentes. O governo entrega esse valor para as pessoas que não estão aptas para receber os precatórios com o objetivo de que fiquemos calados”, disse a educadora.
A reportagem questionou a SEC e a Secretaria de Secretaria da Administração do Governo do Estado da Bahia (Saeb) sobre o número de professores que não recebem o valor do piso, mas até o fechamento desta matéria não havia respostas.
De acordo com o coordenador geral do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia (APLB), Rui Oliveira, 90% dos professores do estado aderiram à paralisação, que vai até o dia da votação do PL. Nesta sexta-feira (18), os profissionais farão uma caminhada do Largo Irmã Dulce até a Igreja do Bonfim, às 9h.
Vale lembrar que os precatórios são correções feitas pela Justiça para trabalhadores da educação básica, como professores, coordenadores pedagógicos, diretores, vice-diretores e secretários escolares que estavam em atividade entre janeiro de 1998 e dezembro de 2006.
Correio da Bahia