DataSUS: internações de ciclistas aumentam 71% no Brasil
O número de internações de ciclistas vítimas de acidentes cresceu 71% em todo o Brasil nos últimos dez anos (2012-2022), segundo levantamento realizado pela Sociedade Brasileira de Trauma Ortopédico a partir de dados do DataSUS. A entidade não tem um recorte estadual ou regional dos números, mas na capital baiana, a Transalvador aponta um cenário de queda nos sinistros com esse público, mantido após o registro de um pico em 2019, com 157 registros.
No ano passado, 117 pessoas se feriram e três morreram em acidentes envolvendo bicicletas em Salvador, uma redução de 9,3% em ocorrências com feridos e de 66,7% em acidentes fatais, quando comparado a 2012. Embora 2019 tenha registrado a mesma mortalidade que 2012 (nove óbitos), o ano teve o maior número de ciclistas feridos de toda a década, chegando a 157.
Com o avanço da adesão às bicicletas como meio de transporte, além do lazer, apesar da queda nos números absolutos, a proporção dos acidentes com bikes cresceu. Em 2012, elas representavam 1,96% dos registros não-fatais, e no ano passado corresponderam a 4,08% do total. Nos casos letais, as bicicletas representaram 2,7% em 2022, contra 3,7% uma década antes.
O acidente ocorrido com a jornalista e permacultora Débora Didonê, 44 anos, constaria nas estatísticas de acidentes da Transalvador em 2023, caso o Samu tivesse sido acionado ou o episódio fosse informado ao órgão de trânsito. Entre janeiro e abril deste ano, 34 pessoas ficaram feridas em acidentes envolvendo bicicletas, a maior parte deles representa colisões, de diversos portes, entre carros e bicicletas.
A bicicleta dela perdeu a aderência com o piso da ciclovia por causa do limo presente no local, fazendo com que a ciclista caísse e se machucasse o suficiente para ter dificuldade em pedalar. Em sua avaliação, o ocorrido demonstra a falta de manutenção encontrada em muitas vias para bicicletas, nas quais não faltam buracos e desníveis acentuados no piso.
A maioria dos deslocamentos de Débora são feitos pedalando, lançando mão de carros por aplicativo apenas quando o destino é muito distante. Moradora do Rio Vermelho, ela inclui a extensão da Pituba ao Centro Histórico, além de bairros como Graça e vizinhança em seu perímetro ciclístico. Fora isso, ela evita bicicletas apenas em dias chuvosos e durante a noite.
“Eu só não pedalo na cidade inteira porque tem certas travessias que realmente são muito hostis para ciclista”, comenta, citando avenidas com movimento muito intenso de carros entre esses pontos de maior risco. “Nas pistas de maior velocidade de Salvador ainda existe uma falta de noção por parte dos motoristas dos veículos motorizados, que não entendem a distância que eles têm que manter. Isso no geral, claro que um ou outro motorista é gentil”, completa.
Outro ponto crítico, na avaliação de Débora, está nas dimensões das ciclofaixas, que deveriam ser mais largas. “Os carros estão em alta velocidade, se o carro tiver alguma questão, uma perda de controle, automaticamente o ciclista pode ser atropelado, levado, porque a pista está muito próxima. Então falta ainda algumas sinalizações, uma faixa de segurança entre a ciclofaixa e a pista dos carros”, defende.
Velocidade
Doutor em urbanismo e integrante do coletivo Mobicidade, Pablo Vieira Florentino considera que o maior fator de risco para os ciclistas no trânsito de Salvador é a velocidade média nas vias. “Dentro da América Latina, só existem dois países que permitem velocidades acima de 60 quilômetros por hora dentro de perímetros urbanos, e um deles é o Brasil. Os outros, dentro dos perímetros urbanos, limitam suas velocidades máximas até 60 km/h”, informa.
“A questão da velocidade não abarca somente quem está na bicicleta ou quem está a pé, mas também quem está dentro dos veículos. E ainda temos em Salvador diversas vias, diversas avenidas que permitem, que legitimam velocidades incompatíveis com a vida”, avalia Florentino. Ele acrescenta que a chance de sobrevivência de uma pessoa atingida por um veículo a 70 km/h é de apenas 15%, e os sobreviventes certamente ficarão com sequelas.
Embora as reconheça como positivas, Florentino vê as iniciativas da Transalvador para redução dos limites de velocidade como pontuais e insuficientes, focadas sobretudo em espaços historicamente privilegiados ou com predominância dos interesses do setor imobiliário. “Se a gente olhar para a cidade inteira, a gente tem muito pouco para a demanda que existe”, avalia.
O superintendente da Transalvador, Decio Martins, ressalta a readequação da velocidade máxima permitida em 14 vias da cidade nos últimos anos e aponta o futuro alcance de outros pontos, a exemplo das avenidas Garibaldi e Bonocô. “Estamos constantemente estudando para podermos readequar as velocidades, trazendo cada vez mais segurança para nossa capital”, garantiu.
Entre as prioridades para a circulação dos ciclistas destacadas por Martins, está a interligação de ciclovias e ciclofaixas já existentes, o que reduz a necessidade das bicicletas compartilharem o espaço dos carros. Ele afirma que esse é um dos aspectos contemplados no Plano Cicloviário da cidade, em elaboração pela Secretaria de Mobilidade (Semob), com a participação da Transalvador.
À frente da Semob, Fabrizzio Muller explica que o Plano Cicloviário está em fase de consolidação das contribuições reunidas por meio da consulta pública online e da realização de oficinas com participação popular. O documento deve ser finalizado entre julho e agosto. “É uma visão muito mais minuciosa, muito mais detalhada sobre a cidade, sobre os sistemas da cidade, as conexões que são necessárias. Temos metas audaciosas para chegar aos índices indicados para uma cidade ciclável”, conclui.
A Tarde