Força-tarefa resgata 25 pessoas em situação análoga à escravidão
Vinte e cinco trabalhadores da colheita de café foram resgatados em condições análogas à escravidão em uma fazenda no município de Encruzilhada, na região sudoeste da Bahia. Segundo os órgãos de proteção, pelo menos três trabalhadores apresentavam sintomas de adoecimento e precisavam de atendimento médico. O proprietário compareceu a audiência de custódia e pagou uma multa de R$ 100 mil.
Uma força-tarefa montada por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), da Defensoria Pública da União (DPU), da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado (SJDH), além de Polícia Federal (PF) e Polícia Militar da Bahia constataram o crime. O grupo está desde o início da semana na região averiguando as condições de trabalho em fazendas da região.
O flagrante, divulgado nesta sexta-feira, 26, ocorreu na última segunda-feira, 22, durante fiscalização numa fazenda de café de propriedade de um produtor rural da região. As vítimas, oriundas de municípios do interior da Bahia, estavam em situação de informalidade, sem registro do contrato de trabalho.
Nas frentes de serviço da colheita, os trabalhadores rurais trabalhavam sem nenhum equipamento de segurança, sem instalações sanitárias, sem local de refeição e sem vestimentas adequadas de trabalho, sendo fornecido apenas luvas.
Além disso, trabalhavam sob chuva ou sol, sem proteção. Devido às condições climáticas da região e ao vestuário inadequado, pelo menos três trabalhadores apresentavam sintomas de adoecimento e foram encaminhados a unidades de saúde do município de Encruzilhada, após o resgate.
Na área da colheita do café, as necessidades fisiológicas dos empregados eram feitas ao relento e a água era transportada em vasilhames de água sanitária reutilizados, pois não havia fornecimento de recipientes térmicos. Nos aspectos de saúde e segurança do trabalho, os safristas não foram submetidos a exame admissional e não eram fornecidas vestimentas de trabalho nem equipamentos de proteção individual. Os trabalhadores usavam roupas próprias absolutamente inadequadas para as condições climáticas e vários calçavam apenas chinelos de dedo e alguns descalços.
Péssimas condições de trabalho
Quanto aos alojamentos fornecidos pelo empregador, os mesmos estavam em condições precárias de higiene e conservação, banheiros em precário estado de funcionamento, chuveiros em número insuficiente o que levava ao compartilhamento de banheiros entre homens e mulheres.
Vários trabalhadores estavam cozinhando dentro de quartos de pequenas dimensões, correndo o risco de acidentes por incêndio ou até asfixia por intoxicação com gás. Foram encontrados também crianças e adolescentes residindo nos alojamentos com suas famílias.
Apurou-se que um grupo de cerca de 40 trabalhadores haviam chegado ao estabelecimento para trabalhar na colheita a pouco mais de um mês oriundos de cidades da região, sendo que no momento da fiscalização restavam apenas 25 e outros já haviam se retirado do local devido às péssimas condições.
Os pagamentos pelo trabalho também seriam feitos apenas no final do trabalho e várias carteiras de trabalho estavam retidas pelo responsável, motivo pelo qual os trabalhadores não tinham condições de ir embora do local. Também se apurou a existência de um estabelecimento em localidade próxima que fazia “crédito” aos trabalhadores a preços muito superiores aos praticados no mercado.
“Há um mercadinho próximo à fazenda que praticava preços abusivos. 1kg de café custava 50 reais. Eles eram obrigados a comprar no mercadinho e, praticamente todo o dinheiro que recebiam, era gasto lá”, afirmou a defensora federal do DPU, Izabela Vieira Luz, em nota.
A defensora contou ainda que não havia horário de almoço: os trabalhadores faziam pequenas pausas, às vezes de 10 minutos, para colherem a maior quantidade de grãos possível. “O horário de trabalho não era de acordo com a lei. Eles entravam 6h da manhã e saíam 17h. Muitos trabalhavam de sábado e domingo sem hora para terminar”, apontou.
Constatada a situação de falta de registro e degradante condições de trabalho e alojamento, retenção de documentos e não pagamento de salários, foi determinada a interdição das frentes de serviço e alojamentos pelos auditores fiscais do trabalho, com a paralisação imediata das atividades e a retirada dos trabalhadores do local. O representante da empresa foi notificado para prestar esclarecimentos sobre a situação.
A partir da interdição dos alojamentos pela Fiscalização do Trabalho, as pessoas ficaram alojadas provisoriamente em uma escola municipal do Município de Encruzilhada, onde receberam também alimentação adequada e acompanhamento do CREAS.
A assistência foi intermediada pela equipe da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado e Secretaria de Assistência Social, até que os Auditores Fiscais do Trabalho providenciasse o cálculo das parcelas rescisórias dos contratos de trabalho, bem como o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União elaborasse o Termo de Ajustamento de Conduta.
Além da defensora federal, integraram a operação a procuradora Manuella Gedeon, os auditores fiscais do MTE, Liane Durão e Mário Diniz; o coordenador de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Combate ao Trabalho Escravo da SJDHDS, Admar Fontes Júnior, e membros da Polícia Militar e Federal.
Punição
Na quarta-feira, 24, o proprietário da fazenda compareceu à audiência designada, reconheceu a situação inadequada e se prontificou a fazer os pagamentos das parcelas rescisórias a que os trabalhadores tinham direito e providenciar seu retorno às cidades de origem. Foram pagos aproximadamente R$ 100 mil. Posteriormente, os trabalhadores serão encaminhados para receber as parcelas do seguro-desemprego do trabalhador resgatado.
Os trabalhadores serão acompanhados no pós resgate pela SJDH, que monitora seu retorno aos municípios de origem. A operação contou com o apoio da Secretaria de Ação Social do município de Encruzilhada, que forneceu alojamento provisório, refeições e disponibilizou suas instalações para reuniões da Força Tarefa com o empregador.
Após o pagamento dos valores rescisórios, a ação fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego prosseguirá com a lavratura dos Autos de Infração diante das irregularidades constatadas e a possível inserção das empresas responsáveis pela situação na Lista Suja do Ministério do Trabalho, divulgada periodicamente contendo os nomes dos estabelecimentos que possuíam trabalhadores em condições análogas ao trabalho escravo.
Também será solicitada a indenização por dano moral por parte do Ministério Público do Trabalho, sem prejuízo da repercussão criminal, que ficará a cargo da Polícia Federal, posto que a prática de reduzir trabalhadores a condição análoga à escravidão é crime previsto no artigo 149 do Código Penal brasileiro, com pena de reclusão de dois a oito anos.
A Tarde