Vacina contra câncer de pele entra em fase final e traz nova esperança

Um dos avanços científicos mais aguardados para 2023, tanto pela comunidade científica quanto pela sociedade, a vacina contra o câncer de pele se aproxima da realidade neste ano. Atualmente, algumas seguem em produção, mas uma em especial está na terceira e última fase de testes. Trata-se do imunizante produzido pelas farmacêuticas Moderna e MSD, batizado de mRNA-4157/V940. Os testes demonstraram que, aliado à imunoterapia, houve redução de 44% no risco de recidiva da doença ou morte em pacientes com melanoma de estágios III ou IV.

Os tipos mais comuns da doença são os carcinoma basocelular, o carcinoma e o melanoma. Na Bahia, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, em 2022 foram registrados 1.309 novos casos. Do total, 10,8% foram do tipo melanoma maligno e os outros 89,2% se referiam a outras neoplasias malignas da pele. No período, 186 pessoas morreram em função da doença.

Em todo o país, a previsão do Instituto Nacional do Câncer (Inca) é que cerca de 220 mil novos casos de câncer de pele devam ser registrados, por ano, entre 2023 a 2025. A vacina contra a doença está sendo desenvolvida para tratamento do melanoma, que é o câncer de pele mais grave, e usa técnica similar à do imunizante contra Covid-19. Para chegar ao momento atual, foram seis anos de trabalho conjunto entre as empresas, reunindo 157 pacientes com melanoma de estágios III e IV que foram submetidos à remoção por meio de cirurgia.

A CEO da farmacêutica Moderna, Stéphane Bancel, afirma que os resultados são encorajadores ao tratamento do câncer. “O mRNA foi transformador para a COVID-19 e, agora, pela primeira vez, demonstramos o potencial do mRNA para ter um impacto nos resultados em um ensaio clínico randomizado em melanoma”.

As descobertas atuais são consideradas um importante marco e são uma evidência de que é possível melhorar as taxas de sobrevida sem recorrência da doença.

“Iniciaremos estudos adicionais em melanoma e outras formas de câncer com o objetivo de trazer tratamentos individualizados para os pacientes. Esperamos publicar o conjunto completo de dados e compartilhar os resultados em uma próxima conferência médica de oncologia, bem como com profissionais de saúde autoridades”.

Segundo a médica dermatologista Thais Matsuda, do Grupo Fleury, detentor da Diagnoson a+ na Bahia, por enquanto ainda não se sabe quantas doses da vacina serão necessárias. “O câncer é como se fosse um agressor, então nosso sistema tenta identificar as células para combater e eliminar. Mas o câncer consegue se modificar com uma velocidade muito rápida e vai ‘enganando’ nosso sistema imunológico. Essas vacinas não são para qualquer tipo de melanoma, o tratamento ideal continua sendo o cirúrgico”.

A vacina está sendo desenvolvida para os pacientes com o melanoma avançado, quando o tumor não pode ser removido, e para melanomas metastáticos, lesões que são muito extensas – que não são passíveis de remoção – ou as que já se espalharam para o resto do corpo.

Índices

O câncer de pele é o tumor maligno mais frequente no Brasil e corresponde a cerca de 30% de todos os casos de câncer registrados no país, que é o segundo no mundo com o maior índice da doença. Entretanto, segundo dados da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), 63% da população não faz o uso de nenhum tipo proteção solar. A SBD alerta que o protetor solar evita queimaduras e o surgimento de manchas cutâneas, e é a principal aposta de dermatologistas na prevenção do câncer de pele.

A médica Thaís Matsuda explica que os tumores são ‘espertos’ e conseguem enganar o sistema imunológico. “Alguns pacientes, depois de 12 semanas, têm boa resposta à quimioterapia. Mas depois o tumor volta. O objetivo da vacina é identificar quais são as proteínas que se manifestam exclusivamente no tumor, e não nas células sãs do corpo, e colocar no organismo do paciente de forma que o sistema crie células de memória. Quando o sistema se deparar com essas proteínas, vai saber que se trata de algo ruim e vai combater”.

O câncer de pele é mais comum em pessoas adultas, a partir dos 40 anos, com pele, olhos de cabelos claros. O principal fator de risco é histórico de queimadura solar – geralmente grave, ou seja, com bolha – na infância e juventude. “Isso porque a gente sabe hoje que o dano solar é acumulativo. Então, cada vez que a pessoa vai para o sol e a pele se queima, a cor depois volta ao original, mas a gente sabe que a pessoa vai acumulando radicais livres. Eles vão danificando as células da pele e esses danos acumulados aumentam o risco de câncer de pele, principalmente depois dos 50 anos”.

Dr. Thaís explica que os tumores são 'espertos' e conseguem, basicamente, enganar o sistema imunológico

Dr. Thaís explica que os tumores são ‘espertos’ e conseguem, basicamente, enganar o sistema imunológico|  Foto: Arquivo pessoal  

Ao longo da vida, o sistema vai combatendo as células alteradas. Entretanto, conforme os anos vão passando, a capacidade de o organismo combater essas alterações começa a diminuir. “Quando acontece antes dos 50 anos, ele pode não necessariamente estar associado a alguma alteração hereditária. Mas isso acontece em apenas 5% dos casos; em 95%, acontece por exposição ambiental a alguma coisa e, no caso do câncer de pele, exposição solar. Tanto em relação aos carcinomas quanto ao melanoma”, explica a dermatologista.

Cuidados

Sobre os cuidados, Thaís Matsuda alerta que o cuidado principal é em relação à exposição solar e isso não está necessariamente ligado aos dias com temperaturas mais elevadas. “A gente precisa ter em mente que, quando falamos de sol, não relacionamos apenas ao dia bonito, ensolarado. O que queima a pele é a radiação ultravioleta. O sol tem três tipos de radiação: a luz visível, que torna o dia bonito; a radiação infravermelha, que é o calor que a gente sente; e a ultravioleta, que a gente não sente e não vê”, explica.

A incidência da luz ultravioleta vai aumentando, atinge um pico por volta do meio dia e depois começa a baixar com o anoitecer. “O cuidado que a gente tem que ter, mesmo quando o dia está nublado, é que, se a gente for se expor ao ar livre, principalmente se for uma exposição mais prolongada, de mais de 30 ou 40 minutos, tem que se proteger, ou com a proteção física de uma roupa, por exemplo, e/ou o filtro solar. No dia-a-dia, pode ser um filtro solar fator 30 e, nos momentos de exposição mais intensa, o ideal é que se use o fator 50. Abaixo de 30 a gente não recomenda a nenhum tipo de pele”.

“No verão, temos um índice UV que tende a ser mais alto em um período maior do dia e, no inverno, esse pico acaba sendo mais curto. Mas mesmo se a pessoa vai para a neve, por exemplo, se for ficar ao ar livre, precisa se proteger. O corpo vai estar protegido, mas não pode esquecer de proteger o rosto, os olhos, a boca, pois a neve reflete e pode queimar também”.

Ela explica que os estudos da vacina estão sendo realizados com maiores de 18 anos, pois o melanoma é muito raro em crianças. “A gente ainda não sabe doses necessárias, efeitos colaterais, pois isso será definido na fase 3”. Ela considera que o imunizante abre portas para o tratamento contra outras doenças.

“Apesar de não ser algo que vai ser distribuído para a população em geral, está sendo destinado a pacientes específicos, com a doença grave. Isso gera uma esperança de sobrevida maior e é uma nova forma de tratamento, que está sendo desenvolvida neste momento para o câncer de pele, mas isso abre perspectiva de tratamento para outros tipos de câncer”.

A Tarde