Sem vacina, crianças de até 4 anos sofrem com agravamento da Covid

Sem possibilidade de se vacinarem, crianças de 0 a 4 anos, estatisticamente mais vulneráveis ao agravamento da Covid-19, tornam-se ainda mais suscetíveis diante do aumento de transmissão em razão da variante Ômicron. O vírus matou quatro vezes mais crianças nesta faixa etária na comparação com as acima de 5 anos. Por isso, o Ministério da Saúde já planeja incluir o grupo no PNO (Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra Covid-19) quando houver imunizantes aprovados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Desta vez, não há previsão de realizar novas consultas e reuniões públicas para deliberar sobre o tema, diferente do que ocorreu no caso das crianças de 5 a 11 anos. A medida adotada pelo governo gerou críticas por parte de associações médicas, que destacaram um atraso desnecessário no início da imunização infantil, além despertar nos pais e responsáveis desconfiança em relação à segurança das aplicações.

Ao discutir sobre a inclusão de outras faixas etárias, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, afirmou não ser necessário mais debate. “A questão da audiência pública foi justamente para ampliar a discussão sobre um tema que é sensível”, disse, sinalizando a intenção de incorporar “qualquer vacina que seja aprovada para qualquer faixa etária”.

A Pfizer/BioNTech já pediu autorização de uso emergencial da vacina contra a Covid-19 em crianças de 6 meses de idade a 4 anos nos Estados Unidos. A expectativa é que o pedido no Brasil seja feito depois que a FDA (Food and Drug Administration), autoridade sanitária estadunidense, dê o aval para a expansão do uso do imunizante.

A perspectiva é que a ampliação do uso da CoronaVac para crianças de 3 a 5 anos saia mais rápido, com possibilidade de reanálise pela Anvisa em março. Isso porque o processo já corre na agência, que apenas aguarda dados adicionais dos estudos realizados em população humana no Chile.

A variante Ômicron, mais transmissível, tem impactado justamente esse público, que, por proporcionalmente ser menos letal na comparação com adultos e idosos, não foi priorizado na campanha de vacinação. “A Ômicron transmite muito fácil, até 17 vezes mais e, no espaço familiar, de forma muito importante. Ou seja, as casas em que o pai adoece, a mãe adoece, é muito difícil que as crianças não adoeçam”, explica o médico Eduardo Jorge da Fonseca Lima, membro do Departamento Científico de Imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria).

A diferença é que o vírus encontrou um cenário em que adultos e idosos estão vacinados e as crianças menores de 12 anos não, uma vez que a vacina para o público de 5 a 11 anos é muito recente, destaca Lima. “Com esse aumento do denominador, ou seja, grandes quantidades de infectados e crianças não protegidas com vacina, infelizmente estamos vendo em todo o Brasil e todo mundo o aumento de casos de crianças internadas por Covid.”

Uma em cada quatro unidades da federação estão com níveis críticos de ocupação das UTIs pediátricas, de acordo com as secretarias de estado de Saúde. O Distrito Federal, por exemplo, iniciou o mês de fevereiro com 100% de taxa de ocupação dos leitos para crianças.

Em janeiro, o Rio Grande do Sul quadruplicou as internações de crianças com confirmação ou suspeita de Covid. Em São Paulo, com a proliferação da Ômicron, houve crescimento e 61,3% de pacientes menores de idade internados em UTIs de meados de novembro a janeiro.

A alta nas internações infantis em razão da Ômicron é um fenômeno mundial. Nos Estados Unidos, 3,2% do total de internações por Covid-19 são de crianças menores de 4 anos. Atualmente, o país vive uma explosão de novos casos, com aumento no número de hospitalizações da faixa etária. Desde o início da pandemia, mais de 10,6 milhões de crianças estadunidenses testaram positivo para a doença.

Sem vacina
São nas crianças que ainda não possuem a possibilidade de se vacinar que a doença se manifesta de forma mais grave. A faixa etária de 0 a 4 anos é a que mais registrou mortes por Covid-19 entre o público infantil. Desde o início da pandemia, foram 3.249 óbitos entre menores de 5 anos, sendo os pequenos de 1 ano para baixo os que mais morrem por Covid no Brasil (2.238).

Lima detalha que a imaturidade do sistema imunológico dos mais novos influencia na maior letalidade. “Algumas condições anatômicas da criança pequena, menor volume respiratório, menor traqueia, fazem com que as crianças, especialmente as menores de dois e um anos tenham quadros respiratórios mais graves quando acometidos por síndrome respiratória aguda grave, quer causada por Covid ou outros vírus.”

O pediatra e infectologista Renato Kfouri, representante da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) e da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), afirma que, em razão da fragilidade imunológica, a chance de crianças mais novas evoluírem para formas graves da Covid é de 2,3 a 2,5 vezes maior na comparação com a faixa etária de 5 a 11 anos. “Nas idades próximas à adolescência, o comportamento da doença vai sendo mais parecido com a de adultos, tendendo à menor gravidade. É uma característica da Covid diferente do que acontece com outras doenças da infância em que a gravidade é maior apenas na primeira infância”, completa.

Enquanto a vacina não chega para a faixa etária de 0 a 4 anos, a forma de proteger essas crianças consiste em cumprir as medidas não farmacológicas, como a higienização das mãos com álcool em gel e o uso de máscaras, e aumentar a cobertura vacinal do restante da população, de forma a criar barreiras contra o vírus.

“É importantíssimo estar com o esquema vacinal completo. Além de evitar que, ao pegar Covid, desenvolva a forma grave da doença, quanto mais pessoas imunizadas, menos doentes circulando, menos transmissão, menor risco de surgimento de variantes. É um pacto de todos”, ressalta Kfouri, completando ser importante que, com a inclusão das crianças de 5 a 11 anos no PNO (Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19), os pais levem seus filhos para tomar a vacina. “Não existe dor maior do que perder uma criança por uma doença evitável.”

Lima faz coro ao lembrete e lamenta que muitos pais e responsáveis ainda tenham receio de imunizar seus filhos. “As vacinas são seguras e eficazes. Ainda que proporcionalmente menos atingidas do que adultos e idosos, as crianças sofreram com a Covid, que matou mais do que a soma das doenças preveníveis, sem contar consequências da Covid longa. É importante acelerar a vacinação no Brasil desta população”, alerta.

Mais de 2,5 milhões de crianças de 5 a 11 anos já receberam a primeira dose pediátrica contra a Covid, segundo o Vacinômetro do Painel Covid-19 – Estatísticas do Coronavírus, plataforma criada pelo analista de sistemas e matemático Giscard Stephanou a partir de dados das secretarias de saúde dos estados. Até o momento, o Ministério da Saúde distribuiu quase 10 milhões de doses de vacinas para o público de 5 a 11 anos. Até 15 de fevereiro, a pasta calcula que terá entregue vacinas suficientes para atender a toda a faixa etária.

R7