Endividamento dos mais pobres cresce e volta a patamar recorde

Com a redução do valor do Auxílio Emergencial e o mercado de trabalho afetado pela pandemia de coronavírus, o endividamento dos brasileiros mais pobres deu um salto e voltou a patamar recorde.

Em abril, 22,3% da população com renda de até R$ 2.100 se dizia endividada, segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

Nos últimos meses, o endividamento cresceu para todas as faixas de renda, mas o quadro tem sido dramático para os mais pobres porque a capacidade desse grupo de construir uma poupança precaucional – recursos destinados para algum imprevisto – é bem menor.

“Na verdade, não é nem uma poupança. É guardar um dinheiro este mês para poder pagar as suas contas no mês que vem e ter um pouco mais de tranquilidade”, diz Viviane Seda, pesquisadora do Ibre.

Numa análise mais detalhada por faixa de renda, apenas 3,9% dos brasileiros com ganho superior a R$ 9.600 afirmam estar se endividando.

Endividamento por faixa de renda — Foto: Economia G1

Endividamento por faixa de renda — Foto: Economia G1

O aumento do endividamento marca uma importante mudança de trajetória. No ano passado, com as parcelas de R$ 600 do Auxílio Emergencial, muitas famílias conseguiram ter o mínimo para sobreviver durante a pandemia e até puderam equilibrar o seu orçamento doméstico.

“A capacidade das famílias de baixa renda de construir uma poupança foi se esgotando conforme houve uma interrupção de vários programas do governo”, afirma Viviane.

Para a maioria da população, o governo pagou a primeira rodada do auxílio emergencial até dezembro do ano passado. O benefício voltou em abril deste ano, mas num formato bem mais enxuto. Em 2020, o auxílio custou quase R$ 300 bilhões. Neste ano, está orçado em R$ 44 bilhões.

Auxílio é alívio na compra do mês

Em Paraisópolis, zona sul de São Paulo, Railane Santana, de 32 anos, sabe bem o que é integrar o grupo dos endividados no país. Ela e o marido – que trabalha com cerâmica – têm uma renda mensal de R$ 2 mil e carregam uma dívida que chega a R$ 20 mil em dois bancos.

“Eu fui usando o cartão de crédito para comprar o enxoval da minha filha. Só que eu fiquei desempregada há um ano e meio e não consigo pagar mais nada”, conta Railane. Antes de perder o emprego, ela trabalhava como babá e manicure.

Railane Santana, de 32 anos, está desempregada e tem uma dívida de R$ 20 mil — Foto: Acervo Pessoal

Railane Santana, de 32 anos, está desempregada e tem uma dívida de R$ 20 mil — Foto: Acervo Pessoal

Beneficiária do Bolsa Família, hoje ela recebe o Auxílio Emergencial. É com o dinheiro que chega pelo benefício que ela faz as compras do mês.

O que entra da renda do trabalho do marido vai para uma casa que os dois reformam, também em Paraisópolis. Até ela ficar pronta, Railane, o marido e a filha de dois anos moram com a cunhada.

“Assim que eu recebo o auxílio, eu faço a compra do mês. Não dá uma compra completa porque sempre falta alguma coisa, mas dá pra comprar o básico”, afirma Railane .

“Quando eu conseguir emprego, eu vou pegar a proposta que eles (bancos) dão e vou tentar pagar essa dívida em parcelas mínimas. Eu até já recebi uma proposta boa para quitar a dívida, mas desempregada não tem como”, diz.

Quadro deve piorar

A fraqueza da atividade econômica e, consequentemente do mercado de trabalho, deve fazer com que o orçamento das famílias ainda continue bastante fragilizado.

Os últimos dados mostram a taxa de desocupação do país em 14,4%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É o maior patamar já registrado. São 14,4 milhões de desempregados.

“No ano passado, a renda do emprego foi compensada pelo Auxílio Emergencial, mas este ano deve ser apenas parcialmente compensada”, afirma Luiz Rabi, economista da Serasa. “Isso gera um buraco no orçamento das famílias.”

De fevereiro para março, a Serasa computou mais de 1 milhão de inadimplentes no país, para 62,56 milhões de pessoas. Foi o segundo maior avanço mensal de toda a série histórica.

“Esse aumento de março foi um sinal de que a tendência de alta continua ao longo do ano”, afirma Rabi. “Nos primeiros seis meses deste ano, a inadimplência vai para cima.”

No recorte por setor, a inadimplência apurada pelo Serasa é maior nos gastos com cartão de crédito e em contas básicas, como água e luz.

G1